Prof.
Daniel Walker
1.
NASCIMENTO-INFÂNCIA-FAMILIA
Padre Cícero Romão Batista nasceu na cidade de
Crato, Ceará, no dia 24 de março de 1844. Entretanto, sua certidão de batismo
registra seu nascimento como tendo sido no dia anterior. Joaquim Romão Batista
e Joaquina Vicência Romana, mais conhecida como Dona Quinô, eram os seus pais.
- Apresentava os seguintes traços físicos: l,60
m de altura, cor branca, cabelos louros, olhos azuis pequeninos e penetrantes,
rosto ovalado, orelhas desenvolvidas, nariz adunco, voz modulada e firme.
- Tinha duas irmãs, ambas solteiras: Maria
Angélica, conhecida como Mariquinha, e Angélica Vicência. A irmã mais velha,
Maria Angélica, morreu no Crato em 1878; a mais nova, Angélica Vicência,
faleceu em Juazeiro em 1923.
- Ainda jovem perdeu o pai, que morreu no dia 28
de junho de 1862, em Crato, vitimado pela epidemia de cólera-morbo, responsável
pelo extermínio de grande parte da população caririense. Sua mãe morreu cega e
paralítica, em Juazeiro, no dia 5 de agosto de 1914. Angélica Vicência e Dona
Quinô estão sepultadas no interior da Capela do Socorro, onde também foi
sepultado Padre Cícero.
2. VIDA ESCOLAR E VOCAÇÃO
Aos seis anos de idade passou a estudar com o
professor Rufino de Alcântara Montezuma; depois, estudou com os professores
Jesuíno e Laureno Brizeno da Silva, e em seguida, com o Pe. João Marrocos, até
ser matriculado no Colégio Padre Inácio de Sousa Rolim, em Cajazeiras, Paraíba,
no dia 1° de março de 1860.
- Aos doze anos de idade, influenciado pela
leitura da vida de São Francisco de Sales, fez voto de castidade conforme
escreveu em seu Testamento.
- Em 7 de março de 1865 ingressou no Seminário
da Prainha, em Fortaleza, de onde saiu ordenado em 30 de novembro de 1870.
- Retornou ao Crato no dia 1° de janeiro de 1871
e no dia 8 do mesmo mês e ano celebrou sua primeira missa na terra natal.
- Depois de ordenado, a estada de Padre Cícero
em Crato foi relativamente curta. Como D. Luís Antônio dos Santos, Bispo que o
ordenou, não lhe deu paróquia, passou a ensinar Latim no Colégio Pe. Ibiapina,
fundado e dirigido pelo professor José Joaquim Teles Marrocos, seu primo e
grande amigo.
3. CHEGADA A JUAZEIRO E PASTORAL
Padre Cícero celebrou missa pela primeira vez em
Juazeiro no dia 24 de dezembro de 1871, convidado pelo professor Semeão Correia
de Macedo e o rico fazendeiro Domingos Gonçalves Martins.
- Passou a residir no povoado de Juazeiro a
partir de 11 de abril de 1872. Veio acompanhado da mãe, das duas irmãs
solteiras e de uma escrava conhecida como Terezinha do Padre ou Tereza do
Padre.
- Muitos livros afirmam que Padre Cícero
resolveu morar em Juazeiro por causa de um sonho que teve, segundo o qual,
Jesus Cristo lhe apareceu e mostrando-lhe uma multidão de pessoas famintas
ordenou: Padre Cícero, tome conta deles!
- Quando Padre Cícero chegou ao povoado de
Juazeiro já existia a Capelinha de Nossa Senhora das Dores que fora erigida
pelo primeiro Capelão, Pe. Pedro Ribeiro de Carvalho, em 1827. No dia 15 de
setembro de 1875 Padre Cícero iniciou a construção da Igreja de Nossa Senhora
das Dores, Padroeira do lugar, a quem ele estimulou uma das maiores romarias do
Brasil. Graças a ele, a procissão de Nossa Senhora das Dores, realizada
anualmente no dia de setembro, é uma das maiores do Brasil.
- Padre Cícero rapidamente conquistou a
simpatia, o respeito e a admiração dos habitantes do local, graças ao seu
comportamento de sacerdote íntegro, caridoso e trabalhador, virtudes essas que
uma vez propagadas, atraíram muitas pessoas da redondeza. Assim, o povoado,
antes paupérrimo e insignificante começou a crescer. Os moradores costumavam
dizer: “Padre como o daqui a gente nunca tinha visto. É só por isso que a gente
deixa a terra onde nasceu e vem pro Juazeiro”.
- Conforme depoimento de seus amigos, Padre
Cícero sempre demonstrou elevado grau de autodomínio, qualidade certamente
desenvolvida desde os tempos do Seminário. Dizem que, certa feita, ao censurar
um colega de batina que bebia muito, fora repreendido também, pelo fato de
fumar demais. Por causa disto, deixou definitivamente de fumar.
- Padre Cícero foi Capelão de Juazeiro de 26 de
setembro de 1872 até 5 de agosto de 1892, quando foi suspenso de ordem, como
decorrência da famosa questão dos milagres na qual se envolveu.. Em 21 de
dezembro de 1877 passou a exercer também as funções de Vigário de São Pedro do
Crato (hoje Caririaçu), embora residindo em Juazeiro.
Pouco se sabe da atuação dele durante o tempo em
que foi vigário de São Pedro do Crato. Há informações de que lá ele fez boas
amizades.
- Antes de ser Capelão de Juazeiro exerceu o
sacerdócio (por pouco tempo) no distrito de Trairi, município de Parazinho
(hoje Paracuru, Ceará). Esta foi sua primeira missão eclesiástica, após a
ordenação.
4. O MILAGRE
O tão comentado fenômeno da transformação da
hóstia em sangue, na boca da beata Maria de Araújo, ocorreu publicamente pela
primeira vez em Juazeiro no dia 1° de março de 1889.
- Convocado para explicar o fenômeno, eis como
Padre Cícero o descreveu para as autoridades eclesiásticas: “Quando dei à beata
Maria de Araújo a sagrada forma, logo que a depositei em sua boca imediatamente
transformou-se em porção de sangue, que uma parte ela engoliu, servindo-lhe de
comunhão, e outra correu pela toalha, caindo algum no chão; eu não esperava e
vexado para continuar com as confissões interrompidas, que eram ainda muitas,
não prestei atenção e por isto não apreendi o fato na ocasião em que se deu;
porém, depois que depositei a âmbula no sacrário, e vou descendo, ela vem
entender-se comigo
cheia de aflição e vexame de morte, trazendo a
toalha dobrada, para que não vissem, e levantava a mão esquerda aonde nas costas
havia caído um pouco e corria um fio pelo braço, e ela com o temor de tocar com
a outra mão naquele sangue, como certa de que era a mesma hóstia, conservava um
certo equilíbrio para não gotejar no chão”.
5. REAÇÃO DA IGREJA
Mantido inicialmente em segredo, a pedido de
Padre Cícero, o fato se repetiu dezenas de vezes, tingindo de sangue os panos
com os quais as hóstias milagrosas eram recolhidas,
e aí não foi mais possível conter a sua
divulgação.
- A imprensa de Recife foi a primeira a noticiar
a ocorrência do fenômeno, já considerado pelo povo como milagre, conforme as
notícias enviadas por José Marrocos. E foi exatamente através da imprensa que o
Bispo de Fortaleza, D. Joaquim José Vieira, tomou conhecimento do ocorrido. E
não gostou nada. Irritado, convocou Padre Cícero para uma reunião no Palácio
Episcopal, a fim de que este explicasse o que estava acontecendo. Para apurar
os fatos, o
Bispo resolveu, então, nomear em 21 de julho de
1891 uma Comissão de Inquérito, formada pelos Padres Clicério da Costa
(Presidente) e Francisco Ferreira Antero (Secretário).
- Em 28 de setembro de 1891, os Padres Clicério
e Antero, no pleno exercício das funções que lhes foram atribuídas pelo Bispo,
testemunharam maravilhados o aparecimento de sangue em duas hóstias nas mãos da
beata Maria de Araújo, fato que ocorreu Casa de Caridade de Crato, onde a beata
se encontrava recolhida, por ordem do Bispo.
- A Comissão concluiu seus trabalhos no dia 13
de outubro de 1891, com parecer favorável à miraculosidade dos fatos, conclusão
a que chegaram também dois médicos (Marcos Rodrigues Madeira e Ildefonso
Correia Lima) e um farmacêutico (Joaquim Secundo Chaves) que presenciaram os
fatos e examinaram a beata, a pedido de Padre Cícero.
- Insatisfeito com o resultado, D. Joaquim resolveu
nomear outra Comissão, em 4 de abril de 1892, composta pelos Padres Antônio
Alexandrino de Alencar, vigário de Crato (Presidente) e os padres Manoel
Cândido dos Santos, vigário de Barbalha e Miguel Coelho de Sá Barreto
(Secretários), cujos trabalhos foram iniciados em 20 de abril de 1892 e
concluídos rapidamente dois dias depois. A decisão desta Comissão foi taxativa:
não houve milagre! Este resultado foi do agrado do Bispo.
- A respeito dos supostos milagres D. Joaquim
publicou quatro Pastorais, nas quais expressou a proibição de qualquer culto
aos panos ensangüentados; exigiu a retratação pública por parte de Padre Cícero
e de todos os padres que teimavam em acreditar no milagre e considerou os fatos
como vãos e frutos de superstição, um mero efeito de causas puramente naturais.
- O desfecho da questão não foi nada favorável
ao Padre Cícero. Ele foi punido com suspensão de ordem, segundo a qual estava
proibido de pregar, confessar, guardar hóstias
consagradas no tabernáculo, etc., podendo,
todavia, celebrar missa, contanto que fosse fora de Juazeiro. Mas até isto lhe
foi proibido depois, a partir de 14 de abril de 1896, punição que perdurou até
à sua morte, em 20 de julho de 1934.
- Reunida em Roma, em 14 de abril de
1894, a Congregação do Santo Ofício após julgamento da farta documentação
recebida do bispado de Fortaleza, resolveu reprovar e condenar os chamados
milagres de Juazeiro. Padre Cícero foi a Roma, para onde partiu no dia 11 de
fevereiro de 1898, e lá chegando em 25 do mesmo mês.
- Sua permanência em Roma durou até 6 de outubro de 1898, durante a qual teve
cinco audiências com a Congregação do Santo Ofício e um encontro de 20 minutos
com o Papa Leão XIII, no dia 6 de outubro. Sua viagem a Roma foi até certo
ponto proveitosa, pois terminou sendo absolvido das penalidades impostas pelo
seu Bispo. Todavia, isto durou pouco. O Bispo conseguiu manter a sua decisão
anterior, e Padre Cícero continuou suspenso de ordem para sempre. Chegou
inclusive a ser excomungado, a pedido do Bispo da Diocese do Crato, D. Quintino
Rodrigues de Oliveira e Silva. Esta pena, entretanto, nunca lhe foi aplicada de
fato, devido à interferência de Dr. Floro Bartolomeu da Costa, que, em
audiência com o Bispo, ponderou sobre as desastrosas conseqüências que tal medida
iria acarretar à saúde do Patriarca de Juazeiro, podendo também causar um
grande tumulto junto à população juazeirense e aos romeiros de um modo geral.
6. OS PANOS ENSANGÜENTADOS
Por ordem de Padre Cícero os panos ensangüentados foram guardados numa urna, e
durante algum tempo passaram a ser alvo de veneração por parte do povo.
Entretanto, por ordem do Bispo a urna saiu da guarda de Padre Cícero e foi
entregue ao Vigário de Crato, Pe. Antônio Alexandrino de Alencar, que a colocou
no Sacrário na Matriz da Penha, em 8 de março de 1892. No dia 22 de abril de
1892 um fato incrível aconteceu: a urna desapareceu!
- Muito tempo depois, outro fato incrível: após a morte do professor José
Marrocos, em 14 de agosto de 1910, quando a Justiça fazia o levantamento dos
bens dele, a urna foi encontrada no sobradinho onde ele morou, no Crato. Mais
tarde os paninhos ensangüentados retornaram às mãos de Padre Cícero. Com a
morte de Padre Cícero os ditos panos ficaram sob a aguarda da beata Mocinha
(Joana Tertulina de Jesus), que era governanta da casa dele. Pouco antes de
morrer, a beata Mocinha confia a caixa contendo os panos à beata Bicinha
(Josefa Maria do Menino Jesus) que temerosa de mantê-la sob sua guarda, resolve
entregá-la ao vigário monsenhor Juviniano Barreto que a entregou ao bispo de
Crato, D. Francisco de Assis Pires. Aí aconteceu um fato incrível: em vez de
mandar fazer exame, para verificar a autenticidade ou não do tão famigerado
milagre e assim pôr um fim na polêmica Questão Religiosa, o bispo mandou queimar
os tais paninhos. Isso ocorreu no dia 30 de novembro de 1949, por coincidência
na data de aniversário de ordenação sacerdotal de Padre Cícero. O bispo nomeou
uma comissão composta de monsenhor Joviniano Barreto e dos padres Antônio
Batista Vieira e Francisco Custódio Limeira.
O ato de incineração dos panos ocorreu às 10 horas daquele dia, no interior do
Seminário São José em Crato. Terminada a missão, foi plantada no local uma
mangueira que, mal germinou, murchou e feneceu. Mas nem todos os paninhos foram
queimados. Ainda existem alguns em casa de pessoas que os guardam como
relíquia.
- A citada urna ou caixinha de madeira, de acordo com o inventário feito pelos
membros da Primeira Comissão de Inquérito, continha em seu interior, entre
outras coisas o seguinte: 60 sanguinhos com muitas manchas de sangue, 55 destes
contendo partículas ensangüentadas assemelhando-se a carne, sendo uma delas
proveniente duma comunhão miraculosa na qual era visível a presença do pão;
corporais com manchas de sangue e contendo partículas ensangüentadas; l
corporal muito ensangüentado; 4 toalhas com a mesma característica; 2 pedaços
de toalha; l véu e l murça.
7. INGRESSO NA POLÍTICA
Padre Cícero ingressou na política de forma circunstancial. Eis como ele
explica isso em seu Testamento: “Em 1911, quando foi elevado o Juazeiro, então
povoado, à categoria de vila, para atender aos insistentes pedidos do então
Presidente do Estado, o meu saudoso amigo Comendador Antônio Pinto Nogueira
Accioly e, ao mesmo tempo, evitar que outro cidadão, na direção política deste
povo, por não saber ou não poder manter o equilíbrio de ordem até esse tempo
por mim mantido, comprometesse a boa marcha desta terra, vi-me forçado a
colaborar na política”. E acrescentou: “Apesar das bruscas mutações da política
cearense,
sempre procurei conservar-me em atitude discreta, sem apaixonamentos, evitando
sempre as incompatibilidades que pudessem determinar choques de efeitos
desastrosos”.
- A carreira política de Padre Cícero assinala os seguintes eventos: em 4 de
outubro de 1911, foi empossado no cargo de Prefeito (o primeiro) de Juazeiro;
em 20 de janeiro de 1912, foi eleito 3° vice-presidente do Ceará; em 11 de
fevereiro de 1913, foi deposto do cargo de Prefeito, reassumindo após a vitória
do Movimento Sedicioso de 1914, permanecendo no cargo até 1926; em 22 de julho
de 1913, em Sessão Extraordinária da Assembléia Legislativa (dissidente)
reunida em Juazeiro, foi reconhecido como 1° vicepresidente do Ceará; em 16 de
abril de 1926, foi eleito Deputado Federal na vaga deixada por falecimento pelo
Dr. Floro Bartolomeu da Costa, mas não quis assumir.
8. REVOLUÇÃO DE 1914
Embora se atribua ao Padre Cícero a chefia do Movimento Sedicioso de 1914, ele
sempre desmentiu tal afirmação, dizendo que o comando de fato foi de Dr. Floro
Bartolomeu da Costa, médico baiano que chegou a Juazeiro em 1908. Foi a ele que
Padre Cícero entregou os destinos políticos do município, missão que
desempenhou com muito afinco.
- Padre Cícero, na verdade, fez tudo para evitar o conflito armado, e foi
somente com o intuito de salvar o Juazeiro e sua gente que concordou, depois de
muita ponderação, em aderir ao Movimento Sedicioso. Foi Floro quem discutiu no
Rio de Janeiro, para onde fora chamado pela alta cúpula do seu partido político,
os planos de deposição do governo Franco Rabelo. A participação de Padre
Cícero, porém, foi necessária, pois sem ela seria praticamente impossível o
recrutamento dos voluntários, que aderiram ao Movimento, pensando
principalmente em defender o Padre Cícero.
- A chamada Sedição de Juazeiro teve combates violentos, havendo elevado número
de mortes, especialmente do lado do governo, o qual foi derrotado facilmente
apesar de suas tropas estarem mais bem municiadas, inclusive com um canhão.
Muitos soldados desertaram tão logo perceberam o sinal da derrota se aproximar,
fugindo apavorados. O escritor Rodolfo Teófilo se referiu ao fato assim se
expressando: “A primeira investida contra Juazeiro foi um desastre; a segunda,
uma miséria”.
- Nos instantes que antecederam aos combates, Padre Cícero recomendou ao povo
reunido em frente a sua residência: “Rezem o rosário da Mãe de Deus. Os pais de
família fiquem em casa e defendam até morrer a sua honra. Os combatentes não
bebam cachaça, não desperdicem munição, não persigam os fugitivos, não tirem do
alheio”.
- Mas Dr. Floro, no intuito de incentivar seus comandados, botou na cabeça
deles que na “na guerra, o vencedor tem direito ao que é do vencido”.
- É provável que, por causa disso, tenha havido tanto saque em Crato, e também
em Barbalha e Fortaleza. Padre Cícero, como era de esperar, levou a culpa! Na
verdade, muita coisa foi atribuída ao Padre Cícero por causa do comportamento
político de Dr. Floro Bartolomeu. Mas os dois foram realmente amigos
inseparáveis.
9. O ENCONTRO COM LAMPIÃO
O tão explorado encontro de Padre Cícero com Lampião, em Juazeiro, aconteceu no
dia 6 de março de 1926. A versão de que Padre Cícero o convidou para se aliar
ao Batalhão Patriótico em troca de uma patente de Capitão ao que tudo indica
não é verdadeira. Há uma versão que atribui a iniciativa do convite e a outorga
da famigerada patente ao Dr. Floro Bartolomeu, que era o Comandante do Batalhão
Patriótico, e outra, segundo a qual as providências foram tomadas pelo tenente
do Batalhão patriótico, Francisco Chagas Azevedo. É possível que o nome do
Padre Cícero em ambos os casos tenha sido usado como sendo o autor do convite,
pois ele era a única pessoa capaz de convencer Lampião a aceitá-lo.
- E a prova de que Padre Cícero não fez o convite ficou nítida quando lhe
comunicaram que o famoso cangaceiro havia chegado a Juazeiro. Ele ficou
visivelmente contrariado e, na verdade, ao encontrar-se com Lampião, Padre
Cícero foi até duro com ele, exigindo que o mesmo se retirasse de Juazeiro o
mais rapidamente possível, e até o aconselhou a deixar a vida do cangaço.
Lampião tinha pelo Padre Cícero um profundo respeito, mas nunca foi seu
protegido, como está escrito em muitos livros.
10. IMPORTÂNCIA DE PADRE CÍCERO
Padre Cícero em momento algum deixou a população juazeirense desamparada. Ele
sempre procurou o bem-estar do seu povo. Quando irrompeu a epidemia de varíola
em 1899, ele, apesar de estar recolhido ao Crato, por determinação superior,
conseguiu autorização e foi socorrer a sua gente.
- Arranjou vacina, e com a ajuda do Sr. Francisco Belmiro e do farmacêutico
Ernesto Rabelo conseguiu debelar o terrível mal, evitando maiores conseqüências
para a população. Nas secas de 1915 e 1919 foi dos seus mandiocais que veio o
alimento salvador para mitigar a fome dos pobres.
- Foi ele quem introduziu no Nordeste o hábito de se usar no pescoço o rosário
da Mãe de Deus, costume até hoje ainda largamente usado, até mesmo por pessoas
de classes social e cultural elevadas.
- Praticou a medicina popular, como forma alternativa de cura, prescrevendo
remédios caseiros a base de ervas medicinais, com excelente resultado.
- Muito trabalhou o Padre Cícero pela educação do seu povo. Fundou escolas e
custeou o estudo de jovens juazeirenses em outras localidades. Contribuiu
também dando aulas particulares, sem receber remuneração. Mas sua maior
contribuição à educação foi ter deixado para a Congregação Salesiana a maior
parte dos seus bens, para que ela fundasse uma grande escola em Juazeiro, o que
terminou se concretizando e também a substancial ajuda que deu para a fundação
da Escola Normal Rural de Juazeiro, a pioneira do ensino ruralista no Brasil.
- É incontestável a grande influência que teve o Padre Cícero no
desenvolvimento do artesanato, comércio, indústria e agricultura não só de
Juazeiro, mas de toda a região do Cariri. Foi ele quem introduziu na região a
criação do boi zebu; incentivou o cultivo da mandioca na Serra do Araripe,
fazendo convergir para aquele aprazível local muitos romeiros que o procuravam
em busca de orientação e trabalho; estimulou igualmente o plantio da
cana-de-açúcar, chegando inclusive a financiar alguns projetos agrícolas bem
sucedidos. Ninguém melhor do que ele soube aproveitar a vocação agrícola do Cariri.
- É por essas razões que muitos historiadores concordam em atestar que ele
realizou nesse ponto uma obra notável, quase incrível, concorrendo não apenas
para a criação da maior cidade do interior cearense, como também para um maior
desenvolvimento do Cariri.
- Pode-se dizer com absoluta segurança: foi Padre Cícero quem colocou Juazeiro
no mapa do Brasil. Em muitas localidades do Brasil, quando as pessoas querem se
referir a esta cidade costumam dizer: Juazeiro do Padre Cícero.
11. UM HOMEM MUITO HOMENAGEADO
Padre Cícero com certeza é a personalidade mais homenageada do Brasil. Salvo
uma ou outra exceção, todas as pessoas nascidas em Juazeiro do Norte (e em
outras cidades do Nordeste) que têm o nome de Cícero ou Cícera (e ainda Romão
ou Romana) são assim chamadas em homenagem a ele, como pagamento de promessa ou
graça alcançada. É praticamente incontável o número de ruas, praças,
estabelecimentos comerciais, escolas, etc. que ostentam o seu nome não só em
Juazeiro, mas em muitas cidades do Brasil.
- Também é uma personalidade muito estudada. Sobre ele já foram escritas
centenas de livros, sem contar as reportagens publicadas em jornais e revistas
de grande circulação no País e no Exterior, onde seu nome também já é bastante
conhecido. Ultimamente ele tem sido alvo de estudo por parte de universidades
brasileiras e estrangeiras de onde têm saído muitas teses acadêmicas
focalizando algum aspecto da sua vida. Também é assunto de simpósios,
seminários, congressos, filmes, peças teatrais, músicas e documentários de
televisão.
- Por outro lado, Padre Cícero foi o cristão mais punido de toda a história da
Igreja, segundo depoimento de Padre Neri Feitosa. Por conta do seu ingresso na
política conseguiu um punhado de inimigos que nunca o deixaram em paz, nem
mesmo após a sua morte.
- Muitos dos livros escritos sobre ele, apontam-no como fanatizador, protetor
de bandidos, coronel, poderoso latifundiário, aproveitador da ignorância do
sertanejo, heresiarca, coiteiro de Lampião, violento, desobediente, etc., mas
também, como líder dos nordestinos, patriarca, santo, amigo dos pobres,
carismático, místico, visionário, etc.
- Está coberto de razão o Padre Azarias Sobreira, quando escreveu: O Padre
Cícero é um cruciante ponto de Interrogação. Dele muito ainda haverá de se
falar, pois é assunto inesgotável.
- O monumento em concreto erigido em sua honra na Serra do Horto, em Juazeiro
do Norte, inaugurado em 1° de novembro de 1969, com 25 metros de altura e
montado num pedestal de 8 metros, é um dos maiores do Brasil e constitui a
maior atração turística de Juazeiro.
- Apesar de ter possuído muitos bens, conforme está discriminado no seu
Testamento de conhecimento público, Padre Cícero sempre levou vida modesta, e
ao se aproximar da morte não teve dinheiro suficiente para pagar as despesas
decorrentes de uma cirurgia da vista a que foi submetido. Seus bens na
realidade eram da Igreja. Da mesma Igreja que o puniu, tirando-lhe o púlpito,
mas da qual nunca se afastou. Usou a batina até morrer e sempre assistia à
missa.
12. A-MORTE DO ÍDOLO
Segundo o atestado de óbito assinado por Dr. Mozart Cardoso de Alencar,
registrado no Cartório sob o n° 2088, Padre Cícero faleceu às 7 horas do dia 20
de julho de 1934, aos 90 anos de idade, tendo como causa mortis paralisia
intestinal.
- Foi sepultado no dia seguinte, às 10h30min da manhã, no interior da Capela de
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, e seu enterro foi acompanhado por uma grande
multidão.
- Padre Cícero pediu em seu Testamento que ao morrer fosse celebrada, todo mês,
no dia da sua morte, uma missa em sufrágio de sua alma. Isto vem acontecendo
todo dia 20, na Capela do Socorro, Na verdade, nesse dia, se celebra missa para
ele em todas as igrejas de Juazeiro, costume que já se observa também em outras
cidades do Nordeste.
Mas a que é celebrada na Capela do Socorro tem uma particularidade que chama
logo a atenção: é que a grande maioria das pessoas assiste à missa trajando
roupa preta, como pagamento de graças alcançadas por sua intercessão, tal qual
acontece na missa de São Francisco, em 4 de outubro, com as pessoas vestindo
roupa marrom.
13. DEPOIMENTOS
Padre Cícero é uma figura bastante polêmica. As opiniões a seu respeito são as
mais diversas. Eis algumas:
- Na concepção do seu confessor Mons. Vicente Sóter: “Padre Cícero era santo,
mesmo". O médico Manuel Belém disse que jamais encontrou reunidas numa só
pessoa “tantas virtudes, tantos atributos morais”. Dom Hélder Câmara também
disse que “Padre Cícero era santo”.
- Um colega de batina, Pe. Manoel Feitosa, o considera “um insubmisso, um
recalcitrante”, e nisto foi seguido por outro sacerdote, Pe. Dubois, que chegou
a afirmar: “Eclesiasticamente o Padre Cícero é um perjuro dos votos de
obediência e jamais se quis sujeitar às decisões da Igreja, porque se julga
infalível contra os vetos dos seus superiores”.
- Mas com isto não concordam, por exemplo, Virgílio Machado, que afirmou:
“Padre Cícero com humildade e reverência acatou ordens superiores, aceitando
com resignação e respeito as advertências, inclusive a sua suspensão
eclesiástica”; nem Manuel Diniz, que disse: “Ele jamais deixou de obedecer até
mesmo ao zelo inexplicável de seus superiores; nem Aldenor Benevides que foi
categórico ao afirmar: “Padre Cícero foi um dos maiores cultores da
obediência”; o ex-arcebispo de Fortaleza Dom Delgado considerou o Padre Cícero
como “um mártir da disciplina”.
- Muito se questiona sobre a cultura de Padre Cícero. Segundo o educador
Lourenço Filho ele “era um homem manifestamente inculto”. Otacílio Anselmo foi
mais radical e disse que ele “não era homem para debater qualquer assunto e sim
para expor ou impor aquilo que estivesse na faixa de seus interesses”.
- A educadora Amália Xavier de Oliveira, que o conheceu bem de perto, disse que
“Os assuntos de suas palestras eram sempre edificantes; jamais uma conversa
fútil e muito menos leviana". E o Marechal Rondon tinha o Padre Cícero
como "uma pessoa letrada”.
Como se vê, as opiniões divergem bastante. Entretanto, a tendência atual é
bastante favorável ao Padre Cícero.
FONTES DE CONSULTA
- Milagre em Juazeiro, Ralph Delia Cava. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 1977.
- Dados que marcam a vida do Padre Cícero, Amália Xavier de Oliveira, Juazeiro
do Norte, Gráfica Mascote, 1983.
- O Patriarca de Juazeiro, Pé. Azarias Sobreira. Petrópolis, Ed. Vozes, 1969.
- O Padre Cícero e a opção pelos pobres, Pe. Neri Feitosa. São Paulo, Edições
Paulinas, 1984.
- Mistérios de Juazeiro, M. Diniz. Juazeiro do Norte, 1935.
-Juazeiro e o Padre Cícero, Floro Bartolomeu da Costa. Rio de janeiro, Imprensa
Oficial, 1923.
- Falta um defensor para o Padre Cícero, Pé. António Feitosa. São Paulo,
Edições Loyola, 1983.
- Cartas do Padre Cícero, Pé. Antenor de Andrade e Silva, Salvador, Escolas
Profissionais Salesianas, 1982.
- Lampião e o Padre Cícero, Fátima Menezes. Recife, Imprensa Universitária,
1985.
- Padre Cícero, o santo do Juazeiro, Rio de Janeiro, Edmar Morei, Ed.
Civilização Brasileira, 1966.
- Padre Cícero, mito e realidade, Otacílio Anselmo. Rio de Janeiro, Ed.
Civilização Brasileira, 1968.
- Efemérides do Cariri, Irineu Pinheiro. Fortaleza, Imprensa Universitária da
UFC, 1963.
- Juazeiro do Padre Cícero, Lourenço Filho, São Paulo, Edições Melhoramentos.
- Sedição de Juazeiro, Rodolfo Teófilo. São Paulo, Monteiro Lobato & Cia.
Editores, 1922.
Fonte: Daniel
Walker
EXTRAÍDO DE http://oxentejuazeiro.blogspot.com.br/
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